Como educadores, não podemos aceitar a Escola sem Partido
Não podemos aceitar um projeto de lei que cerceia a liberdade de
pensamento e contribui para criar indivíduos acríticos e alheios ao
pensamento
por Soraya Smaili
Outro dia escrevi nesta coluna sobre o orgulho que tenho de ser
cientista em meu país. Contei um pouco desta trajetória e da minha
escolha em viver e produzir ciência e desenvolvimento aqui, no Brasil.
Recebi inúmeras mensagens de apoio e cumprimentos orgulhosos,
representando muitos dos brasileiros cujos anseios e desejos, como disse
Deutscher, "são os mesmos, não importando a raça, a religião ou a
nação".
Também me lembrei do professor Adalberto Vieyra, que em sua palestra
realizada recentemente na Unifesp, por ocasião dos 45 anos do Programa
de pós-graduação em Farmacologia, nos disse que "a ciência, por ser
universal, não tem pátria, mas o cientista sim".
Argentino de nascimento e cientista de reputação nacional e
internacional, é de se salientar que o professor tenha escolhido o
Brasil, há muito tempo, para viver e trabalhar.
A maior parte da pesquisa científica em nosso país é realizada nas instituições públicas de ensino e pesquisa, em especial nas universidades públicas.
Assim como o professor Adalberto, eu e tantos outros colegas
cientistas somos também professores. E como tal, não poderei me furtar a
falar, e até de me posicionar, diante do debate a respeito do projeto de lei sobre a Escola sem Partido. Ao analisá-lo, temos que agir como educadores e pensar no ensino em todos os níveis.
Mas o que é Escola sem Partido? Difícil mesmo é definir, por isso acaba transformando o tema em um debate um tanto esdrúxulo, em mais uma disputa polarizada e com espírito futebolesco. Faço um parêntese aqui para dizer que adoro futebol e tenho partido, mas futebol é futebol, debate de ideias é outra coisa.
Mas o que é Escola sem Partido? Difícil mesmo é definir, por isso acaba transformando o tema em um debate um tanto esdrúxulo, em mais uma disputa polarizada e com espírito futebolesco. Faço um parêntese aqui para dizer que adoro futebol e tenho partido, mas futebol é futebol, debate de ideias é outra coisa.
Os apoiadores do projeto dizem que a escola se transformou em um
antro ou reduto de esquerdistas, e usam os mais absurdos adjetivos para
denominar os que são contra o projeto.
Revelam a intolerância e o sentimento de vingança, que tem raízes
sociais profundas. Temos que nos perguntar de onde tem vindo tanto ódio.
E o ódio, como sabemos, é limitador e retrógrado.
Os contrários ao projeto argumentam que será impossível discutir
Filosofia, Ciências Sociais, Sociologia, História, sem o debate livre
dos pensadores do passado e do presente.
A discussão do que é ideologia precisa ocorrer, e é preciso
esclarecer que existem ideologias de esquerda e de direita. Porém, é
necessário ressaltar, principalmente, que não é possível avançar no
conhecimento humano e no desenvolvimento sem que se conheça o que o
mundo produziu de bom ou de ruim.
Percebo também que muitos falam sem saber do que se trata. Outros
tentam palpitar sobre o que é uma escola e não enxergam que ela é o
lugar onde o ensino deve ser desenvolvido, onde nos formamos como
pessoas, como profissionais e, sobretudo, como seres críticos e capazes
de fazer escolhas. Antes de escolher o que quero para mim, preciso
conhecer. Ou será que vamos criar uma sociedade de insípidos, cujas
escolhas estarão sempre fora de seu controle?
A escola é o lugar dos caminhos, do debate, da livre expressão e
formação. Nesse espaço também há o confronto de ideias e o conflito,
pois é aí que estão as mais criativas raízes. Aliás, sobre isso, gosto
sempre de me referir ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche quando diz
que "convém ser rico em oposições, pois só a esse preço se é fecundo".
Me pergunto se alguns dos autores dessa lei e desse pensamento
conhecem Nietzsche, ou mesmo qualquer outro filósofo medieval ou
contemporâneo, que nos ajuda a pensar sobre o nosso tempo e sobre para
onde queremos ir. Será que é isso que querem impedir?
Por essas e outras razões, não podemos aceitar um projeto de lei que
cerceia a liberdade de pensamento, que tolhe a formação plena, que
contribui para tornar a maioria da população em indivíduos acríticos e
alheios ao pensamento.
Como educadores, não podemos aceitar; como cientistas, não podemos entender; como pensadores críticos, não poderemos sobreviver.
Soraya Smaili
Reitora da Universidade Federal de São Paulo.
Fonte: Carta Capital
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