Por: Carlos Juliano Barros
Riachuelo: o dono critica a relação do capital privado com o BNDES, mas usou empréstimos do banco público para crescer |
Você já ouviu falar de Flávio Rocha? Nascido no Recife, ele é o
herdeiro e presidente da Riachuelo, grupo empresarial de sua família
que, nos últimos dez anos, virou referência de fast fashion e se
transformou na rede de varejo de moda que mais cresce no Brasil. Antes
de trilhar a carreira de executivo, Flávio Rocha até se aventurou na
política entre as décadas de 1980 e 1990, quando chegou a ser deputado
federal e correligionário do ex-presidente Fernando Collor de Melo.
Como quase todo CEO de sucesso que se preze, Flávio Rocha é dado a
hábitos disruptivos que transformam homens de negócio em super-heróis e
artistas. Já correu algumas vezes a maratona de Nova York e coleciona
nas paredes de sua casa obras exclusivíssimas – do ícone pop americano Andy Warhol ao cerebral pintor venezuelano Carlos Cruz-Díez.
Só que Flávio Rocha vai muito além de um executivo vencedor. Um dos
mais barulhentos porta-vozes do empresariado nacional a defender o impeachment de Dilma Rousseff, o presidente da Riachuelo é um liberal convicto e crítico mordaz do "capitalismo de conluio" – ou crony capitalism,
na expressão popularizada pelo professor da Universidade de Chicago,
Luigi Zingales – que em sua opinião se instalou no Brasil durante a era
PT. Um dos seus alvos prediletos é a "política dos campeões nacionais" do BNDES, o banco estatal de fomento da economia brasileira.
De fato, não há como negar que o governo federal usou e abusou do
BNDES para distribuir dinheiro farto a juros subsidiados, às vezes até
abaixo do próprio custo de captação de capital, para os amigos da corte –
Eike Batista e JBS que o digam.
Para os adversários do PT, a farra do dinheiro barato liberado a
gigantes do PIB nacional, escolhidos à revelia da meritocracia do
mercado, tolheu a formação do mercado de capitais e inibiu o
financiamento privado no Brasil.
Em recente entrevista concedida a Miriam Leitão, na Globo News,
Flávio Rocha foi categórico sobre o assunto: "Essas deformações, como
subsídios na hora do crédito, também têm o efeito de distorcer a
economia". Mas o presidente da Riachuelo só se esqueceu de mencionar que
a empresa de sua família também encheu a pança na boquinha dos juros
camaradas do BNDES – tudo dentro da lei, obviamente.
Uma rápida consulta pública ao site do banco (abaixo) mostra que,
entre 2009 e 2016, a Riachuelo e a indústria do grupo (chamada
Guararapes Confecções) levantaram financiamentos da ordem de R$ 1,44
bilhão para, dentre outras coisas, investir numa fábrica no Ceará e
expandir a rede de lojas país afora. Como se não bastassem as taxas de
juros do BNDES mais baixas do que as praticadas pelo mercado, a planta
industrial construída em Fortaleza, assim como outra fábrica instalada
no Rio Grande do Norte, também se beneficia da isenção de 75% do Imposto
de Renda – informação que pode ser pescada do próprio site da Riachuelo.
Mesmo sem citar esses dados, Miriam Leitão foi obrigada a jogar a real em cadeia nacional com o presidente da Riachuelo: "Quando os empresários brasileiros vão ser coerentes com o liberalismo que pregam?"
Flávio Rocha é um entusiasta declarado da "Ponte para o Futuro", programa de reformas liberalizantes encampado pelo PMDB do presidente-interino Michel Temer.
E já elegeu a sua prioridade: a flexibilização da legislação
trabalhista. Na verdade, enquanto a CLT não vira letra morta, a
Riachuelo já vem cortando os custos de produção do seu império de fast fashion.
Parte da confecção de roupas da rede, por exemplo, é terceirizada para oficinas do sertão do Seridó,
no Rio Grande do Norte, onde autoridades já flagraram violações graves
como jornadas excessivas, trabalho sem carteira assinada e pagamentos
abaixo do salário mínimo.
A transferência de parte da produção da Riachuelo para o sertão do
estado se deu depois de 2012, quando o Ministério Público do Trabalho
multou em R$ 27 milhões a empresa por descumprimento de normas de saúde e
segurança na fábrica localizada na capital Natal. O caso foi resolvido
por meio de um acordo.
Atualmente, Flávio Rocha é um dos mais eminentes arautos do processo
de "riachuelização" que vem se desenhando no país. À nata dos
empresários, incentivos fiscais e crédito subsidiado – mesmo quando
essas medidas são tidas como ataques aos princípios do livre mercado. Ao
grosso dos trabalhadores, empregos precários, exaustivos e
sub-remunerados, sem qualquer proteção do Estado. E assim se constrói a ponte para o futuro no Brasil.
*Carlos Juliano Barros, diretor de "Entre os Homens de Bem", é
jornalista e documentarista. Em parceria com Caio Cavechini, dirigiu
"Carne Osso - O Trabalho em Frigoríficos", vencedor do Prêmio Vladimir
Herzog de Anistia e Direitos Humanos de 2013, e "Jaci - Sete Pecados de
uma Obra Amazônica", selecionado para o festival "É Tudo Verdade" e
vencedor da Mostra Ecofalante de 2016.
Fonte: Carta Capital
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