A Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa (CDH) abrigou, nesta quarta-feira (14), o
primeiro evento da "Frente Ampla Brasil". A coalizão, que reúne
movimentos sociais e populares, organizações sindicais e também
parlamentares, deverá agora percorrer o Brasil para mobilizar a
sociedade contra a agenda de reformas anunciada pelo governo Michel
Temer, com o objetivo de barrar perdas de direitos sociais e
trabalhistas.
— Sozinhos não iremos a lugar nenhum. Articulados, poderemos mudar o
curso da história — afirmou o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da
CDH e idealizador da frente.
A reunião teve a presença do movimento trabalhista e de aposentados e
pensionistas, com os participantes demonstrando sua contrariedade em
relação a propostas que tornam flexíveis as regras de contratos de
trabalho e que impõem idade mínima para a aposentadoria. Paim lembrou
que o “modelo 85/95” já determina uma idade mínima, de 55 para mulheres e
60 para homens. A seu ver, esse modelo é mais justo com os
trabalhadores que ingressam no mercado de trabalho mais cedo,
normalmente os mais carentes e que agora podem ser mais penalizados,
ficando obrigados a trabalhar muito mais tempo.
— Essa é a fórmula perfeita [modelo 85/95], que conjuga idade com tempo de contribuição — disse Paim.
Projetos
Houve críticas a projetos em tramitação
no Congresso, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016
(na Câmara), que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação por
vinte anos. Como disseram, a PEC vai comprometer severamente os
recursos para a saúde, a educação e os benefícios sociais, em detrimento
do pagamento de juros da dívida pública, que antes de tudo deveria ser
auditada.
Também houve menção ao PLC 54/2016
- Complementar, que alonga as dívidas de estados e do Distrito Federal
com a União por 20 anos se os entes cumprirem diversas medidas de ajuste
fiscal. Na opinião de João Domingos Gomes, da Confederação dos
Servidores Públicos do Brasil (CSPB), essa é uma das piores propostas
legislativas já vistas.
— Faz terra arrasada do serviço público
e do servidor, que é o primeiro a ser atingido, porque congela
salários. Mas o grande perdedor com o projeto é o Estado, que perde sua
função de prestador de serviço público. E, junto com os projetos de
terceirização e privatização, o Estado passa a ser demandador de serviço
à iniciativa privada, a prestação de serviço público vira negócio,
objeto de ganância do mundo empresarial — criticou Gomes.
Ele criticou ainda o modelo de Estado
em vigor, no qual “predominam as forças econômicas, sobretudo do setor
financeiro”. Para ele, essas forças sequestram a gestão e não permitem
que a pauta social avance, por mais que haja um “caráter socialista” do
dirigente. E este não é o caso do presidente Michel Temer, frisou.
— Quero apontar a ilegitimidade desse
governo, eleito com uma pauta diferente. Ele está cometendo estelionato
eleitoral, na medida em que foi eleito com um programa e, no meio do
mandato, mudou para o chamado ‘Ponte Para o Futuro’, que em nada
corresponde ao programa com o qual Dilma e Temer foram eleitos —
denunciou.
Novo paradigma
O diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
(Diap), Antonio Augusto de Queiroz, ressaltou que houve no país mais do
que uma troca de governo, mas de paradigma, com o fim dos governos de
coalizão que nos últimos anos misturavam “esquerda e direita,
socialistas e liberais”.
— Hoje, os campos estão apartados, a esquerda está na oposição,
limitada a não mais que 100 parlamentares, enquanto as forças de centro e
de centro-direita, de perfil liberal e fiscalista, estão na base de
sustentação do governo — avaliou.
Ainda segundo o diretor do Diap, as forças hoje no governo são
idelogicamente coesas, alinhadas com o chamado Consenso de Washington,
que se reflete exatamente na agenda do Ponte para o Futuro. O objetivo é
fazer com que o Estado volte às suas funções clássicas de garantir a
propriedade, os contratos privados e a moeda, afastando-se de outras
obrigações, igualmente suas, de impor o equilíbrio entre as pessoas, as
regiões do país, entre categorias e segmento sociais. Para Queiroz,
haverá um “jogo de salve-se quem puder”, com ações para que se retire
marcos legais que servem de garantia aos mais desprotegidos da
sociedade, como os trabalhadores.
— Se tem um governo que está coeso com a pauta do mercado e com apoio
internacional, os movimentos sociais e as forças vivas desse país que
respondem pelo trabalho têm que estar unidas. Por isso, a criação dessa
Frente Ampla é extremamente interessante. A unidade de ação é
fundamental — conclamou.
Diante do novo cenário, o diretor do Diap afirmou que não basta aos
trabalhadores e aos movimentos sociais “reivindicar ou ser contra”.
Segundo ele, é necessário também estar preparado para o debate e pensar
em soluções alternativas. Citou, como exemplo, o projeto que amplia as
terceirizações, em análise no Senado. Na sua visão, é necessário
“razoabilidade”, de modo que Paim, o relator, possa contar com
“franquia” para negociar pontos da matéria.
— Se vocês quiserem manter do jeito que é hoje, a chance de ele [Paim] ser destituído da relatoria é enorme. Aí, em nome de um suposto ideal, pode ocorrer que não se tenha o possível e o bom naquele momento.
— Se vocês quiserem manter do jeito que é hoje, a chance de ele [Paim] ser destituído da relatoria é enorme. Aí, em nome de um suposto ideal, pode ocorrer que não se tenha o possível e o bom naquele momento.
Mea culpa
João Paulo Ribeiro, representante da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), ao elogiar a criação da Frente Ampla, fez um mea culpa
ao apontar as dificuldades dos movimentos de esquerda em se unir, quase
sempre motivadas por vaidade. João Paulo defendeu a intensificação do
trabalho político junto às bases sociais, com a militância sendo
“baluarte nas ações propositivas” a partir da capacitação dos jovens.
— Temos que reviver algumas coisas, construir nosso trabalho nas
associações de bairro, temos que voltar. Alguma coisa foi perdida,
alguma coisa saiu errada, não estamos conseguindo atingir a população —
lamentou.
Para José Calixto Ramos, da Nova Central Sindical de Trabalhadores,
sem uma autocrítica e união para a ação em conjunto, todos sofrerão as
consequências. De acordo com ele, as diferentes organizações sindicais
estão agora se juntando, para atuar em sintonia, por um motivo: “a água
está subindo para o pescoço”.
— Se não soubermos nadar, ela sobe para a cabeça e você acaba se
afogando. Não temos o direito de achar que interesses maiores da
sociedade, dos trabalhadores e da nação devem também morrer afogados
nesse processo que está nos rodeando diuturnamente — disse.
"Silêncio"
O deputado federal Roberto de Lucena (PV-SP) concordou que o cenário é
de insegurança e motiva preocupação. Na sua visão, nos últimos anos os
movimentos sociais e sindicais viveram em “silêncio”, e essa posição
contribuiu para que a situação chegasse ao ponto atual, em que, como
disse, direitos e conquistas estão ameaçados. A seu ver, as ruas
deveriam ter sido “ocupadas” ao menos sete anos antes.
— Mas a resistência por si só não leva a lugar nenhum, ainda que a
motivação seja a mais justa, o objetivo mais puro. É preciso que ela
seja acompanhada também pela disposição ao diálogo.
Fonte: Agencia Senado
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