Hoje, completam-se 50 anos do Fundo de Garantia, um mecanismo criado pelo governo militar para dois propósitos.
O primeiro, de criar um fundo público que financiasse investimentos
em infraestrutura urbana e servir de apoio ao Sistema Nacional de
Habitação, para onde carreava outros recursos recolhidos com outra
“novidade” de 1966, a correção monetária.
O segundo, o de permitir ao patronato livrar-se com maior facilidade dos empregados “antigos”: os “velhos”.
Explico: a indenização por demissão era de um salário por ano
trabalhado, quase o mesmo que dá o FGTS (8% ao mês x 12 meses = 96%).
Mas para quem tivesse mais de 10 anos “de casa”, ela dobrava: dois
salários por ano trabalhado.
Não “compensava” demitir funcionários com muito tempo e, aliás, era
comum haver “acordo”: demitia-se antes deste prazo e recontratava-se
depois.
Como se diz, agora (o “boato”
foi confirmado de novo, hoje, pelo ministro golpista Ronaldo Nogueira),
da jornada de 12 horas, era opcional o novo regime. Na prática, não
havia opção nenhuma.
Sobre isso, trago para dividir com vocês um texto do advogado
trabalhista Sérgio Batalha Mendes, emocionante e digno, para que se
entenda que a estabilidade no emprego não é uma maneira de “se
encostar”, mas de preservar a dignidade do trabalhador, sobretudo na
velhice.
Aliás, como registra a história de Sérgio, dignidade que não falta a eles.
O Último dos Estáveis Decenais
Sérgio Batalha Mendes
Ontem fiz a audiência do Sr. Antônio,
81 anos, admitido em 1952 nos Diários Associados e funcionário do
Jornal do Commercio, que fechou as portas depois de quase 180 anos de
existência.
É provavelmente um dos últimos
empregados com a estabilidade decenal prevista na CLT, pois trabalhou 64
anos no mesmo empregador. Foi admitido com 17 anos e lá permaneceu até
ser demitido sem justa causa.
Lamentavelmente, não recebeu suas verbas rescisórias e também
não é aposentado, pois “não considera ético se aposentar e continuar
trabalhando”. Formado em Direito pela mesma Faculdade que eu (a
Faculdade Nacional de Direito), apresentou-se de terno e solicitou que
eu não pedisse a indenização por danos morais, esclarecendo que “queria
receber o que fosse justo, mas não tinha rancor do jornal no qual
passara toda a sua vida”.
Embora
triste, sua postura era simpática e amistosa, sempre pronto a contar as
inúmeras histórias de sua vivência profissional, que incluiu a função
de editorialista do próprio Chatô.
Na
audiência, começo o trabalho com o registro da manifestação sobre a
defesa em ata, com a preocupação óbvia de acelerar o processo. Depois,
peço a Juíza para fazer uma breve manifestação. Pretendia ressaltar a
importância da concessão de uma antecipação de tutela para que o Sr.
Antônio recebesse logo sua indenização.
Começo
a falar e engasgo, a emoção me trai e tenho de parar. Peço desculpas,
nunca me aconteceu em quase trinta anos de advocacia. Falo brevemente,
tomado pela emoção, peço que se faça justiça a um homem de outro tempo.
A
emoção contagia a todos, a juíza com os olhos marejados, o meu cliente, a
preposta, o advogado da empresa. A audiência se transforma em uma
catarse e todos contam suas vivências, inclusive a juíza, que se recorda
da dispensa do pai após quarenta anos de trabalho.
Na
saída, a preposta, uma moça simples, chorando, pega na mão do Sr.
Antônio e pede “perdão em nome da empresa”, acrescentando que ele “não
merecia isto”.
O Sr.
Antônio nos lembrou a todos sobre a dignidade do trabalho e me fez
pensar: temos de defender a CLT, os direitos do trabalhador, que foram
conquistados após tanta luta.
O
último dos estáveis decenais nos deu sua última contribuição, um exemplo
vivo da dignidade do trabalhador para emular a luta pela preservação
dos seus direitos.
Fonte: Tijolaço
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