Esquina da Av. Eurípedes Brasil Milano com Rua Tiradentes, Alegrete-RS.
Sobre
os protestos contra o aumento das passagens urbanas
Gilmar
de Lima Martins
Este
texto pretende fazer, em caráter preliminar e superficialmente,
alguns comentários sobre os protestos que vem ocorrendo no país e
que culminaram, na semana passada, com os atos em sete capitais
brasileiras, aí incluídas São Paulo e Rio de Janeiro.
Deve-se
registrar, inicialmente, que o marco inicial destas manifestações
ocorreu em Porto Alegre, cuja mobilização, liderada por parcelas
ativas de jovens estudantes e militantes, a partir de convocatórias
pela internet (redes sociais), resultou viotoriosa, ao conquistar a
suspensão, via judicial, do aumento concedido às tarifas de
transporte coletivo urbano.
Esta
medida foi confirmada em nova decisão, desta feita do Tribunal de
Contas do Estado do RS, que acolheu posição de revisão dos
critérios de apuração dos cálculos, patrocinada pelo Ministério
Público de Contas.
A
mobilização de São Paulo – espelhada, pelos próprios autores,
na mobilização de Porto Alegre – registrou um crescendo, a partir
da primeira chamada, ocorrida na semana anterior e teve seu ponto de
maior tensão, na tarde/noite de quinta-feira, quando sofreu intensa
e violenta repressão policial.
Em
São Paulo, como se noticiou, a coordenação desta luta está a
cargo do Movimento Passe Livre que, pelas repercussões país afora,
parece ter se multiplicado, ainda que não se tenham informações
sobre sua real organização, nos moldes tradicionais.
Dito
isto, é importante refletir sobre como a maioria dos veículos de
comunicação, incluindo-se aí a TV Cultura, que possui um dos
Telejornais mais saudáveis, em relação à média, tratou do
assunto.
Foi
quase unânime a tentativa de impingir ao movimento características
de violência, vandalismo e oportunismo político, esta última
referendada por pronunciamentos de governantes, sobretudo em São
Paulo (Governador, Prefeito) e no Rio de Janeiro. Utilizando-se do
seu aparato, a linha editorial da TV Cultura, na semana de 10 a 14 de
junho, mesmo considerando os debatedores, atuou mais como porta-voz
oficial do Governo do Estado de São Paulo.
Fez
pesadas críticas à postura dos manifestantes que, ao ocuparem a Av.
Paulista (uma das principais vias de São Paulo), poderiam causar
situações de impedimento ao acesso a hospitais (em número de 8 ou
9) ali localizados, certamente com franca violação ao direito de ir
e vir dos demais cidadãos, além de dizer que milhares de
trabalhadores eram prejudicados, porque não podiam se deslocar para
suas casas.
Além
disso, numa das suas edições, chegou-se a ironizar o fato de que as
fianças, para liberação de alguns manifestantes presos, em valores
de R$ 3.000,00 (três mil reais), eram pagas pelos pais, supostamente
indicando serem pessoas de classe média, não exatamente
necessitadas de participação naquele tipo de luta.
A
tentativa era clara: criar um ambiente, na sociedade, de repúdio às
manifestações.
Malograda
tentativa. Na noite de sábado, dia 15, pesquisa do Instituto
Datafolha revelava que o índice de ruim e péssimo para o transporte
coletivo (ônibus e metrô) em São Paulo era de 55%, tendo crescido
em relação ao último ano pesquisado, em 2011 (47%), além da
maioria, em percentual de 47%, considerar caro o valor da tarifa.
Tais
mobilizações que atingem o país, a meu juízo, sem exatamente
dimensinar em que medida, integram o amplo e variado espectro de
mobilizações que percorrem o mundo, desde os países árabes,
naquilo que se convencionou chamar Primavera Árabe, até os países
centrais do capitalismo, nos Estados Unidos e Europa, neste caso,
sobretudo nos países mais atingidos pela crise: Grécia, Espanha.
Concordo
com o cientista político Carlos Novaes, um dos comentaristas do
Telejornal da TV Cultura, edição de sexta-feira, dia 14/6, quando
afirma tratar-se, presumivelmente, de um espírito de época.
Existe,
embora não se tenha clareza sobre quais pontos de contato, uma
conexão entre todas essas mobilizações.
Aspecto
importante a considerar diz respeito ao caráter delas, convocadas
pela internet, em sua maioria, sem coordenações organizadas e
centralizadas e sem objetivos programáticos definidos, ainda que se
possa ver uma identidade, bem apontada por outro artigo lido, de
autoria de Aldo Fornazieri (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-protestos-e-a-tragedia-urbana-por-aldo-fornazieri: quase todas partem de temáticas urbanas,
ao estabelecer uma aproximação com a mobilização atual na
Turquia.
Para
ilustar, lembre-se a mobilização contra o corte de árvores em Porto
Alegre.
Cabe
também referir, retomando-se as afirmações de Novaes, esta geração
em luta e em mobilização é uma "geração solitária e
desamparada", pois ela – juventude de agora - vem à rua num
momento de crise das utopias que, no passado, alimentaram as lutas da
juventude de então.
De
outra sorte, diz ele, boa parte daquela militância, hoje, está
muito bem acomodada em cargos governamentais.
Ainda,
os partidos que se identificam à esquerda, estão com imensas
dificuldades de compreender estes movimentos, porque vinculados à
tradição de organização e luta que não são mais reconhecidos ou
aceitos, por serem matizados pelo jogo, muitas vezes rasteiro, da
política institucional.
Entretanto,
penso necessário registrar que, a despeito da crise das utopias e da
indefinição e falta de clareza de propósitos mais programáticos,
nos moldes em que nos acostumamos a pensar (os militantes mais
velhos), em todos estes movimentos há uma justa, sincera e
inequívoca, ainda que inconsciente, crítica ao capitalismo e as
formas, mais ou menos violentas de como ele, em cada país ou região,
expressa sua dominação.
Daí
que uma interpretação, à luz de Marx, embora não exclusivamente,
permaneça atual. Ou como não ver que a crise imobiliária nos EUA,
o desemprego na Europa, a degradação das cidades pelo consumo
irrefreável e pela submissão ao automóvel, a situação do
transporte público, entre outras, não são questões cujas
determinações econômicas e seus desdobramentos políticos,
sociais, culturais e ambientais são evidentes? E que, diante deste
quadro, há uma generalizada insatisfação, embora ainda em estado
latente, com o modo de vida hegemônico?
Concluindo
estas anotações, recorro a David Harvey, que em seu O
Enigma do Capital nos desafia:
"uma alternativa terá de ser encontrada. E é aqui que o
surgimento de um movimento global de correvolucionários se torna
crítico, não só para deter a maré de comportamentos
autodestrutivos do capitalismo (que em si seria um feito
significativo), mas também para nossa reorganização e para
começarmos a construir novas formas organizacionais coletivas,
bancos de conhecimento e concepções mentais, novas tecnologias e
sistemas de produção e consumo, ao mesmo tempo em que
experimentamos novos arranjos institucionais, novas formas de
relações sociais e naturais, com o redesenho da cada vez mais
urbanizada vida diária".
Nossa
solidariedade a esses jovens que renovam nossas esperanças!
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