sábado, 15 de junho de 2013


                                         Esquina da Av. Eurípedes Brasil Milano com Rua Tiradentes, Alegrete-RS.
                                   



                  Sobre os protestos contra o aumento das passagens urbanas


                                                    Gilmar de Lima Martins


Este texto pretende fazer, em caráter preliminar e superficialmente, alguns comentários sobre os protestos que vem ocorrendo no país e que culminaram, na semana passada, com os atos em sete capitais brasileiras, aí incluídas São Paulo e Rio de Janeiro.
Deve-se registrar, inicialmente, que o marco inicial destas manifestações ocorreu em Porto Alegre, cuja mobilização, liderada por parcelas ativas de jovens estudantes e militantes, a partir de convocatórias pela internet (redes sociais), resultou viotoriosa, ao conquistar a suspensão, via judicial, do aumento concedido às tarifas de transporte coletivo urbano.
Esta medida foi confirmada em nova decisão, desta feita do Tribunal de Contas do Estado do RS, que acolheu posição de revisão dos critérios de apuração dos cálculos, patrocinada pelo Ministério Público de Contas.
A mobilização de São Paulo – espelhada, pelos próprios autores, na mobilização de Porto Alegre – registrou um crescendo, a partir da primeira chamada, ocorrida na semana anterior e teve seu ponto de maior tensão, na tarde/noite de quinta-feira, quando sofreu intensa e violenta repressão policial.
Em São Paulo, como se noticiou, a coordenação desta luta está a cargo do Movimento Passe Livre que, pelas repercussões país afora, parece ter se multiplicado, ainda que não se tenham informações sobre sua real organização, nos moldes tradicionais.
Dito isto, é importante refletir sobre como a maioria dos veículos de comunicação, incluindo-se aí a TV Cultura, que possui um dos Telejornais mais saudáveis, em relação à média, tratou do assunto.
Foi quase unânime a tentativa de impingir ao movimento características de violência, vandalismo e oportunismo político, esta última referendada por pronunciamentos de governantes, sobretudo em São Paulo (Governador, Prefeito) e no Rio de Janeiro. Utilizando-se do seu aparato, a linha editorial da TV Cultura, na semana de 10 a 14 de junho, mesmo considerando os debatedores, atuou mais como porta-voz oficial do Governo do Estado de São Paulo.
Fez pesadas críticas à postura dos manifestantes que, ao ocuparem a Av. Paulista (uma das principais vias de São Paulo), poderiam causar situações de impedimento ao acesso a hospitais (em número de 8 ou 9) ali localizados, certamente com franca violação ao direito de ir e vir dos demais cidadãos, além de dizer que milhares de trabalhadores eram prejudicados, porque não podiam se deslocar para suas casas.
Além disso, numa das suas edições, chegou-se a ironizar o fato de que as fianças, para liberação de alguns manifestantes presos, em valores de R$ 3.000,00 (três mil reais), eram pagas pelos pais, supostamente indicando serem pessoas de classe média, não exatamente necessitadas de participação naquele tipo de luta.
A tentativa era clara: criar um ambiente, na sociedade, de repúdio às manifestações.
Malograda tentativa. Na noite de sábado, dia 15, pesquisa do Instituto Datafolha revelava que o índice de ruim e péssimo para o transporte coletivo (ônibus e metrô) em São Paulo era de 55%, tendo crescido em relação ao último ano pesquisado, em 2011 (47%), além da maioria, em percentual de 47%, considerar caro o valor da tarifa.
Tais mobilizações que atingem o país, a meu juízo, sem exatamente dimensinar em que medida, integram o amplo e variado espectro de mobilizações que percorrem o mundo, desde os países árabes, naquilo que se convencionou chamar Primavera Árabe, até os países centrais do capitalismo, nos Estados Unidos e Europa, neste caso, sobretudo nos países mais atingidos pela crise: Grécia, Espanha.
Concordo com o cientista político Carlos Novaes, um dos comentaristas do Telejornal da TV Cultura, edição de sexta-feira, dia 14/6, quando afirma tratar-se, presumivelmente, de um espírito de época.
Existe, embora não se tenha clareza sobre quais pontos de contato, uma conexão entre todas essas mobilizações.
Aspecto importante a considerar diz respeito ao caráter delas, convocadas pela internet, em sua maioria, sem coordenações organizadas e centralizadas e sem objetivos programáticos definidos, ainda que se possa ver uma identidade, bem apontada por outro artigo lido, de autoria de Aldo Fornazieri (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-protestos-e-a-tragedia-urbana-por-aldo-fornazieri: quase todas partem de temáticas urbanas, ao estabelecer uma aproximação com a mobilização atual na Turquia.
Para ilustar, lembre-se a mobilização contra o corte de árvores em Porto Alegre.
Cabe também referir, retomando-se as afirmações de Novaes, esta geração em luta e em mobilização é uma "geração solitária e desamparada", pois ela – juventude de agora - vem à rua num momento de crise das utopias que, no passado, alimentaram as lutas da juventude de então.
De outra sorte, diz ele, boa parte daquela militância, hoje, está muito bem acomodada em cargos governamentais.
Ainda, os partidos que se identificam à esquerda, estão com imensas dificuldades de compreender estes movimentos, porque vinculados à tradição de organização e luta que não são mais reconhecidos ou aceitos, por serem matizados pelo jogo, muitas vezes rasteiro, da política institucional.
Entretanto, penso necessário registrar que, a despeito da crise das utopias e da indefinição e falta de clareza de propósitos mais programáticos, nos moldes em que nos acostumamos a pensar (os militantes mais velhos), em todos estes movimentos há uma justa, sincera e inequívoca, ainda que inconsciente, crítica ao capitalismo e as formas, mais ou menos violentas de como ele, em cada país ou região, expressa sua dominação.
Daí que uma interpretação, à luz de Marx, embora não exclusivamente, permaneça atual. Ou como não ver que a crise imobiliária nos EUA, o desemprego na Europa, a degradação das cidades pelo consumo irrefreável e pela submissão ao automóvel, a situação do transporte público, entre outras, não são questões cujas determinações econômicas e seus desdobramentos políticos, sociais, culturais e ambientais são evidentes? E que, diante deste quadro, há uma generalizada insatisfação, embora ainda em estado latente, com o modo de vida hegemônico?
Concluindo estas anotações, recorro a David Harvey, que em seu O Enigma do Capital nos desafia: "uma alternativa terá de ser encontrada. E é aqui que o surgimento de um movimento global de correvolucionários se torna crítico, não só para deter a maré de comportamentos autodestrutivos do capitalismo (que em si seria um feito significativo), mas também para nossa reorganização e para começarmos a construir novas formas organizacionais coletivas, bancos de conhecimento e concepções mentais, novas tecnologias e sistemas de produção e consumo, ao mesmo tempo em que experimentamos novos arranjos institucionais, novas formas de relações sociais e naturais, com o redesenho da cada vez mais urbanizada vida diária".


  Nossa solidariedade a esses jovens que renovam nossas esperanças!

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