domingo, 30 de junho de 2013

A redução da tarifa em Alegrete

Depois da segunda grande manifestação de rua, realizada na última quinta-feira, dia 27 de  junho, desta feita com pauta bem definida - pela redução da tarifa e contra a desigualdade social - a administração  municipal, em ação conjunta com as empresas concessionárias de transporte coletivo da cidade, o Ministério Público e o Judiciário local, anunciou, na sexta-feira, dia 28, a redução da tarifa de R$ 2,40 para R$ 2,15.
Uma vitória expressiva da mobilização realizada no município, em cujo nascedouro não contou com a mesma amplitude e intensidade, mas que, nem por isso, deve ser desprezada como ponto de articulação deste movimento no município. 
Neste sentido, cabe registrar o papel desempenhado pelo Bloco de Luta pela Redução da Tarifa, que lançou o mote "2,40 é roubo!", com participação de militantes vinculados ao PCB, PSOL e anarquistas.
Se o recuo da Administração Municipal deve ser saudado, também deve se registrar que foi desperdiçada uma oportunidade de se abrir um debate com representantes e lideranças da mobilização, não só pelo necessário reconhecimento da legitimidade do movimento, quanto pela absorção dos ensinamentos que as lutas vem impondo aos governos, em todos os níveis.
Além do mais, causou estranheza que o Legislativo Municipal também não tenha sido chamado.
Tais práticas acabam por reforçar o sentimento exposto nas ruas, de distanciamento dessas instituições dos sentimentos populares transformados em gigantescas caminhadas.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Para ajudar a compreender a época atual

IMMANUEL WALERSTEIN

Depressão, uma visão de longo prazo

Estamos nos movendo em direção a um mundo protecionista. Estamos nos movendo para um papel muito maior do governo na produção. Mesmo os EUA e a Grã Bretanha estão nacionalizando parcialmente os bancos e as grandes empresas moribundas. Nos dirigimos a uma distribuição conduzida pelo governo, que pode assumir modos social-democratas à centro-esquerda ou formas autoritárias de extrema direita.
Immanuel Wallerstein - La Jornada
A depressão já começou. Alguns jornalistas, um tanto constrangidos, seguem perguntando aos economistas se talvez não estejamos só entrando numa mera recessão. Não creia neles nem por um minuto. Já estamos no começo de uma depressão mundial de grande envergadura com desemprego maciço em quase todas as partes. Pode assumir a forma de uma deflação nominal clássica, com todas as suas conseqüências para as pessoas comuns. É um pouco menos provável que assuma a forma de uma inflação galopante, que é somente uma outra forma de derrubar valores, inclusive pior para as pessoas comuns.

É claro que todo mundo se pergunta o que disparou essa depressão. Serão os derivativos, que Warren Buffett chama de "armas financeiras de destruição em massa"? Ou são, por acaso, as hipotecas subprime? Ou os especuladores do petróleo? Julgar culpas não tem importância real. Isso é concentrar-se na poeira, como dizia Fernand Braudel, dos eventos de curta duração. Se quisermos entender o que está ocorrendo necessitamos lançar um olhar amplo para outras temporalidades, que são muito mais reveladoras. Um é o dos vai-e-vens cíclicos de média duração. O outro é aquele das tendências estruturais de longa duração.

A economia-mundo capitalista teve, durante vários séculos, pelo menos duas formas de vai-e-vens cíclicos. Uns são os chamados ciclos de Kondratieff, que historicamente teriam uma duração de 50-60 anos. E outros são os ciclos hegemônicos, que são muito mais longos.

Em termos de ciclos hegemônicos, os EUA foram um adversário dessa hegemonia nos idos de 1873; conseguiu sua hegemonia depois de 1945 e vem declinando desde os anos 70. As loucuras de George W. Bush transformaram esse declínio lento em precipitado. E agora já estamos longe de qualquer retomada da hegemonia estadunidense. Entramos, como acontece normalmente, num mundo multipolar. Os EUA permanecem como potência forte, talvez a mais forte, mas continuará declinando em relação a outras potências, nas próximas décadas. Não há muito o que alguém possa fazer para mudar isso.

Os ciclos de Kondratieff têm uma temporalidade diferente. O mundo saiu da última fase B do ciclo Kondratieff em 1945, e então o retorno mais forte à fase A vem ocorrendo, na história do sistema-mundo moderno. Chegou ao seu clímax por volta de 1967-1973, e começou o seu descenso. Esta fase B foi muito mais longa que as fases B anteriores e seguimos nela.

As características de uma fase B de Kondratieff são bem conhecidas e coincidem com o que a economia-mundo vem experimentado desde os anos 70.. As taxas de lucro nas atividades produtivas baixam, especialmente naqueles tipos de produção que tenham sido mais rentáveis. Em conseqüência, os capitalistas que desejem níveis de lucro realmente altos se inclinam para o setor financeiro, e se envolvem no que basicamente é especulação. Para que as atividades produtivas não se tornem tão pouco rentáveis, têm de mudar-se das zonas centrais para outras partes do sistema-mundo, negociando custos menores de transação com mão-de-obra mais barata. É por isso que começam a desaparecer os empregos em Detroit, Essen e Nagoya, e a se expandirem nas fábricas da China, da Índia e do Brasil.

Quanto às bolhas especulativas, algumas pessoas sempre fazem muito dinheiro com elas. Só que cedo ou tarde as bolhas especulativas sempre arrebentam. Se se pergunta por que essa fase B do ciclo Kondratieff durou tanto, é porque os poderes existentes - o Departamento do Tesouro e o Federal Reserve (Banco Central) norte-americanos, o FMI e seus colaboradores na Europa ocidental e Japão - intervieram regularmente no mercado e de maneira importante para ajudar a economia-mundo - em 1987, quando a bolsa despencou; em 1989, no colapso do crédito e das poupanças nos EUA; em 1997, com a queda das bolsas na Ásia oriental; em 1998, pelas mãos dos chamados Long Term Capital Management, um fundo Hedge de capitais de longo prazo; em 2001-2002, com Enron. Com base no que aprenderam com as lições das fases B anteriores de Kondratieff, os poderes existentes pensaram que podiam vencer o sistema. Mas há limites intrínsecos para fazer isto. E agora chegamos
neles, como Henry Paulson e Ben Bernanke o estão aprendendo para sua vergonha e talvez assombro. Desta vez não será tão fácil, provavelmente será impossível, evitar o pior.

No passado, uma vez que a depressão dava rédea solta a seus estragos, a economia-mundo se levantava com base nas inovações que podiam ser quase monopolizadas por um tempo. Assim, quando se diz que o mercado financeiro voltará a levantar-se, é isso o que se pensa que ocorrerá, agora como no passado, depois de as populações do mundo sentirem todo o estrago causado. E talvez em alguns poucos anos assim seja.

Há, contudo, algo novo que pode interferir nesse belo padrão cíclico que tem sustentado o sistema capitalista por uns 500 anos. As tendências estruturais podem interferir nas tendências cíclicas. Os traços estruturais básicos do capitalismo como sistema-mundo operam mediante certas regras que podem ser traçadas num gráfico como um equilíbrio em movimento ascendente. O problema, como acontece com todos os equilíbrios estruturais de todos os sistemas, é que com o tempo as curvas se movem para muito além do equilíbrio e se torna impossível regressar ao ponto anterior.

O que se fez para que o sistema tenha se tornado tão distante do equilíbrio? Grosso modo, o que ocorre é que, ao longo de 500 anos, os três custos básicos da produção capitalista - pessoal, insumos e impostos - têm subido constantemente no percentual dos preços possíveis de venda, de tal modo que hoje se tornou impossível obter grandes lucros da produção quase monopolizada que sempre foi a base da acumulação capitalista significativa. Não é porque o capitalismo esteja falhando no que faz melhor. É precisamente porque o está fazendo tão bem que finalmente minou a base para acumulações futuras.

Quando chegamos a esse ponto o sistema se bifurca (na linguagem dos estudos de alta complexidade). As conseqüências imediatas são uma turbulência altamente caótica, que nosso sistema-mundo está experimentando neste momento e que seguirá experimentando por uns 20-50 anos. Como todos apostam na direção que pensam ser a mais imediatamente adequada para sua perspectiva, emergirá uma ordem de caos numa das veredas dos muitos caminhos alternativos diferentes.

Podemos assegurar com confiança que o presente sistema não sobreviverá. O que não podemos predizer é qual nova ordem será escolhida para substituí-lo, porque esta será o resultado de uma infinidade de pressões individuais. Mas cedo ou tarde um novo sistema se instalará. Não será um sistema capitalista, mas pode ser algo muito pior (ainda mais polarizado e hierárquico) ou algo muito melhor (relativamente democrático e relativamente igualitário) que o atual sistema. Decidir um novo sistema é a luta política mundial mais importante de nossos tempos.

E, quanto às perspectivas imediatas de curta duração, ad interim, é claro o que ocorre em todas as partes. Estamos nos movendo em direção a um mundo protecionista (esqueça-se da chamada globalização). Estamos nos movendo para um papel muito maior do governo na produção. Mesmo os EUA e a Grã Bretanha estão nacionalizando parcialmente os bancos e as grandes empresas moribundas. Nos dirigimos a uma distribuição populista conduzida pelo governo, que pode assumir modos social-democratas à centro-esquerda ou formas autoritárias de extrema direita. E nos movemos em direção a conflitos sociais agudos no interior de alguns estados, à medida que todo o passa a competir por uma fatia menor do bolo. No curto prazo, não é, de modo algum, um panorama agradável.

Immanuel Wallerstein, sociólogo norte-americano, um dos teóricos da Teoria do Sistema Mundial (de onde vem a expressão Sistema-Mundo) e pesquisador sênior da Universidade Yale. É autor de Sistema Mundial Moderno, de 1974.

Tradução: Katarina Peixoto
Publicado no Jornal Folha de São Paulo, provavelmente em novembro de 2008.

sábado, 22 de junho de 2013

Pingentes




João Antônio, escritor paulista que morreu no Rio de Janeiro, em 1996, autor – entre outros – do conhecido Malagueta, Perus e Bacanaço, se declarava discípulo de Lima Barreto, a quem consagrava suas obras, escreveu em Malhação do Judas Carioca, coletânea de Contos-reportagem (a ele é atribuído a invenção do gênero) este Pingentes, texto que sempre me vem à mente quando a realidade insiste em restituir sua atualidade, apesar de escrito no início dos anos 70.
A reprodução desse texto é para repartir sua leitura, nestes dias de ampla mobilização social, em que se procuram as razões de tanta revolta.


                                                                       Pingentes


                                                                                 João Antônio




Passageiro da Central do Brasil só chega a notícia quando é pingente. E pingente morto, desastrado ou causador de desastres. Fora disso, passageiro da Central não existe. Quando pingente e morto vira alvo de promoções posteriores do tipo de reeducação do povo em termos social, econômico, político e técnico. Morto o pingente, começa-se a reconhecer que o carioca vive, afinal, numa cidade a refletir a animalização a que chegou o seu homem na simples luta para sobreviver.
Pingentes. Os dependurados do Rio vêm de longe. Em dezembro de 1921 já não eram novidade nenhuma nos trens da Central do Brasil. E, embora naquela época nossos escritores estivessem preocupados com beletrismos e parnasianismos, um mulato pobre que não passou de funcionário miúdo do Ministério da Guerra ("nasci sem dinheiro, mulato e livre"), chamado Lima Barreto, morador em Inhaúma, denunciava num de seus romances, o sempre por nós esquecido Clara dos Anjos, que "o subúrbio é o refúgio dos infelizes".
Nos últimos dias de maio de 74, os jornais registravam, apenas naquele ano, mais de quinhentos casos de desastres com pingentes _ trinta e seis mortos e quatrocentos e noventa e dois feridos.
Curioso como sobre todo o problema falta uma ótica à Lima Barreto. Ou melhor, como seus intérpretes, repórteres, escribas ou responsáveis conseguem imediatamente enxergar tudo sob o ângulo de quem não é passageiro da Central e vê o desastre do lado de fora.
O engenheiro responsável pela coordenação do sistema eletrificado de todo o Grande Rio acha que o problema é fundamentalmente de educação. O presidente da Central garante que os responsáveis pelos trens suburbanos têm procurado "através de campanhas educativas, mostrar aos passageirosos perigos que correm viajando como pingentes". E promete começar imediatamente uma repressão contra os pingentes, afinal, uns abusados.
Na área dos populares todos atacam o pingente, desde os próprios passageiros que viajam sentados, passando pelo funcionário dos guichês das passagens e chegando ao dono do botequim de Cascadura, instalado dentro da própria estação da Central, que saiu-se com este brilhantismo: "Tem gente viajando como pingente até durante o dia com os trens vazios. Não há necessidade de haver pingente. Ninguém vê pingente na porta do trem quando está chovendo. É só ter chuva".
Difícil alguém que não viaje nso trens _ e diariamente, na primeiras horas da manhã ou nas últimas da tarde _ entender ou imaginar o que vem a ser isso.
Mais do que pobres, os passageiros da Central do Brasil parecem não apenas pingentes nos trens, mas pingentes da cidade, uma espécie, em quantidade e qualidade, de sobreviventes urbanos, sempre pendurados na cidade e nunca fixos, estabilizados ou tranquilos. E, fora dessa situação marginalizada, o suburbano é o homem que paz parte daquele mundo chamado Rio Abandonado, ou seja Rio Tristeza, a Zona Norte. É o homem que aparece nesta condição trágica e grotesca, deste samba de Pedro Caetano:

"Quatro horas da manhã
Sai de casa o Zé Marmita
Pendurado na porta do trem
Zé Marmita vai e vem".

Pelo desespero e afobação geral, pela desorganização e mudanças das plataformas, tudo inesperado, anunciado pelos microfones da estrada de ferro, pela superlotação dos trens, talvez se possa concluir que todo passageiro da Central, desde que jovem ou do sexo masculino, é potencialmente um pingente. Ou porque prefira, queira, por comodidade e irresponsabilidade; ou porque seja obrigado a viajar na porta do trem.
Cascadura, seis da manhã. Vista de oito metros de altura, do alto do viaduto, a Estação da Central do Brasil tem um aspecto sinistro, lembrando um campo de concentração em que se misturam a arames e ferros dos lados extremos dos trilhos dos trens, uma sujeira encardida nas plataformas, uma tristeza geral no apinhado de gente e correria de trabalhadores. Apesar desse movimento e desse rumor, um silêncio estranho, cortado apenas pelo barulho dos trens nos trilhos e dos autos sobre o viaduto.
Enquanto o trem para a Estação Pedro II não vem, passageiros com seus pacotes, sacolas e maletas de trabalho vão fazendo gritar que a palavra marmiteiro ainda é uma verdade no Rio. E usam o próprio leito do trem para passar de uma plataforma a outra, evitando subir a escadaria lotada e que deveria comunicar, com algum conforto, as várias plataformas.
Para Antônio Mendes, que atende no balcão de um dos botequins da estação, aquilo é mais do que um risco, é um índice do passageiro da Central do Brasil:
_Olhe aí. Depois tem que haver desastre e morte, não é? Agora não é nada, vai ver quando vier o trem. Tem gente e que sobe e desce pelas janelas, tem gente que viaja em cima do vagão, tem gente que vem sentada na janela e a maioria vem urrando. Na porta do trem, como pingentes,então já é uma tradição, principalmente os garotos e a estudantadda. Não há diabo que consiga evitar isso. O trem pode passar vazio que tem gente na porta.
A dois metros dele, do lado de fora do balcão, maltrapilho, sapato cambaio, dentes cariados, sacolinha jogada nas costas, rosto cavado, um garoto de uns doze anos fuma debochadamente e pergunta, incisivo:
_ E lá na sua terra, em Portugal, como é que o pessoal anda de trem?
Antônio,o português, para de servir o café como se ouvisse uma liberdade não data:
_ Nunca ando de trem, que não sou maluco. Nem lá na minha terra.
Um pingente como Jaime dos Santos, vinte anos, ganhando quatrocentos e vinte cruzeiros por mês no comércio da Rua da Alfândega, para pegar às oito no trabalho acorda às cinco e apanha o trem das sete em Cascadura. Para ele, todos os acenos de campanhas de reeducação não vão lhe melhorar a vida , nem os trens:
_ Pago a passagem na porrada, debaixo de cotovelada. Desço a escadaria correndo e pra entrar no trem tem que ser correndo e na porrada, tendo que dar e levar bofetão. Então, eu fico na porta, que lá dentro está espremido de gente, que nem sardinha em lata. Eu fico na porta, que não sou besta, que é mais fácil entrar e sair. E eu tenho que pegar o trem, que não posso chegar atrasado ao trabalho. Não quero perder o dia.
Já o biscateiro Manuel dos Santos Alves viaja todos os dias de trem direto de Deodoro (que não faz paradas nas estações) e acha que a maior precariedade é das próprias composições da Central:
_ Nada. Até garoto abre essas portas de trem. Depois, pra viajar como pingente, o cara sempre traz uma pedra na mão e coloca na porta. Ela fica presinha e aberta.]
Homens, mulheres e crianças que viajam ao lado dos passageiros, em todos os horários dos trens, fazem parte de uma população à margem do Rio de Janeiro. Aleijados, pedinttes de esmolas, meninos vendedores de drops, balas, amendoim, revistinhas e jornais, cegos e velhos, gente sem eira nem beira, importunando os passageiros de marmita embrulhada debaixo do braço, exigindo-lhes atenções e trocados ou surrupiando-lhes carteiras, sacolas, bolsas e dinheiro. Os pivetes, os gatunos e os batedores de carteiras proliferam. Quando em quando, suas trampolinagens pulam para as primeiras páginas dos jornais _ dão falsos sinais de alarma, assaltam, deixam mulheres sem roupa, atiram nos que resistem.
O vozerio dos vendedores maltrapilhos fazem uma zoada durante a viagem toda e os trens, lerdos e chacoalhando, a sessenta quilômetros por hora, mostram lá fora, pleas janelas de vidros quebrados, o Rio Zona Norte _ de um lado e outro dos trilhos dos trens da Central, o casario imundo, encardido, descascado e as favelas, Salgueiro, Mangueira, Candelária, muitas, trepam nos morros.
Convidada a falar, a sociologia disse que as pessoas são desumanizadas pelos horários e a tal ponto ficam sem individualidade dentro da multidão, que procuram readquirir a humanidade e a individualidade, tentando enganar a máquina, mesmo se colocando em perigo de vida.
Mas a empregada doméstica Maria Teresa Conceição Martins, de trinta anos, sai todos os dias de Cascadura para trabalhar no Posto Três, em Copacabana, e diz que a sua luta pela individualidade é esta:
_ A gente pega o trem da Central porque custa cinquenta centavos. Se eu fosse pegar o ônibus, só de Cascadura até o Passeio Público gastava oitenta. Manjou? É aquela de pobre não luta, peleja.
Morte, invalidez temporária ou permanente, lesões graves ou leves, o problema legal é sempre complicado _ quem vai ficar com a responsabilidade legal pelos acidentes? No caso da Rede Ferroviária Federal dispor de advogados hábeis, é muito provável que poucos recebam alguma indenização ou pensão. Afinal, segundo os próprios passageiros não pingentes, quando chove ninguém viaja do lado de fora da porta do trem.
Mas pela visão de Lima Barreto, as coisas talvez ficassem assim: toda a Zona Norte, o chamado Rio Esquecido não tem nenhuma representatividade política, tudo é feito e dirigido parra a Zona Sul da cidade. Enterra-se dinheiro nos buracos de um Metrô (373 milhões até maio de 74) que pretende primeiro ligar Ipanema à Tijuca. Desde 1960, a Rede Ferroviária Federal não apresenta nenhuma melhoria nos trens suburbanos e, se tudo correr bem, somente em 76 chegarão novos trens para o transporte dos subúrbios do do Grande Rio.

Tudo para a Zona Sul, o lado rico da cidade. Um dado – enquanto do lado de lá do Túnel Novo, entre Copacabana e Leblon, vivem cerca de quinhentas mil pessoas, na Zona Norte e no Grande Rio estão os que restam: cerca de três milhões e quinhentas mil. Exatamente aquelas pessoas a que os escribas e intérpretes agora chamam brilhosamente de povo-meu-povo. Lima, não era brilhoso, nem eloquente e os chamava de infelizes.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Nota do Movimento Passe Livre

Diante de problemas surgidos nas últimas manifestações, o Movimento Passe Livre, cuja base organizativa principal está em São Paulo, emitiu Nota Pública, abaixo transcrita, através da qual explicita suas posições acerca das mobilizações e do caráter de suas propostas, posicionando-se, de forma clara e enfática, no campo do aprofundamento das conquistas democráticas, numa perspectiva de sociedade igualitária.

Movimento Passe Livre SP

O Movimento Passe Livre (MPL) foi às ruas contra o aumento da tarifa. A manifestação de hoje faz parte dessa luta: além da comemoração da vitória popular da revogação, reafirmamos que lutar não é crime e demonstramos apoio às mobilizações de outras cidades. Contudo, no ato de hoje presenciamos episódios isolados e lamentáveis de violência contra a participação de diversos grupos.

O MPL luta por um transporte verdadeiramente público, que sirva às necessidades da população e não ao lucro dos empresários. Assim, nos colocamos ao lado de todos que lutam por um mundo para os debaixo e não para o lucro dos poucos que estão em cima. Essa é uma defesa histórica das organizações de esquerda, e é dessa história que o MPL faz parte e é fruto.
O MPL é um movimento social apartidário, mas não antipartidário. Repudiamos os atos de violência direcionados a essas organizações durante a manifestação de hoje, da mesma maneira que repudiamos a violência policial. Desde os primeiros protestos, essas organizações tomaram parte na mobilização. Oportunismo é tentar excluí-las da luta que construímos juntos.

Toda força para quem luta por uma vida sem catracas.

MPL-SP

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Tudo junto e misturado

A onda de manifestações que o país assiste nos últimos dias já produziu suas primeiras conquistas, a partir do núcleo da luta: a questão das tarifas do transporte coletivo urbano. Grande parte de prefeitos de capitais, mais o Governo do RJ, revogou o último reajuste concedido.
O Prefeito Fernando Hadad, depois de muitas vacilações, também aderiu à medida. 
Agora, o Congresso Nacional, que permanece alheio a esta mobilização, e o Governo Federal poderiam dar os ares de sua graça e colocar na sua agenda, de forma efetiva, a adoção de medidas que tornem efetiva a política nacional de mobilidade urbana, uma vez que esta questão deixou de ser apenas uma carta de intenções, para se tornar o objeto principal de arregimentação de multidões pelo país afora.
Assisti a entrevista dos representantes do Movimento Passe Livre, no Programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda.
O pessoal é bem articulado e tem consciência de suas propostas e propósitos.
A mobilização conseguiu nacionalizar um debate, cuja competência, na esfera administrativa, é local.
Bem ao gosto dessa mobilização, que deixa a todos perplexos diante de suas formas organizativas, conseguiu inovar na colocação do problema: é tudo junto e misturado!


sábado, 15 de junho de 2013


                                         Esquina da Av. Eurípedes Brasil Milano com Rua Tiradentes, Alegrete-RS.
                                   



                  Sobre os protestos contra o aumento das passagens urbanas


                                                    Gilmar de Lima Martins


Este texto pretende fazer, em caráter preliminar e superficialmente, alguns comentários sobre os protestos que vem ocorrendo no país e que culminaram, na semana passada, com os atos em sete capitais brasileiras, aí incluídas São Paulo e Rio de Janeiro.
Deve-se registrar, inicialmente, que o marco inicial destas manifestações ocorreu em Porto Alegre, cuja mobilização, liderada por parcelas ativas de jovens estudantes e militantes, a partir de convocatórias pela internet (redes sociais), resultou viotoriosa, ao conquistar a suspensão, via judicial, do aumento concedido às tarifas de transporte coletivo urbano.
Esta medida foi confirmada em nova decisão, desta feita do Tribunal de Contas do Estado do RS, que acolheu posição de revisão dos critérios de apuração dos cálculos, patrocinada pelo Ministério Público de Contas.
A mobilização de São Paulo – espelhada, pelos próprios autores, na mobilização de Porto Alegre – registrou um crescendo, a partir da primeira chamada, ocorrida na semana anterior e teve seu ponto de maior tensão, na tarde/noite de quinta-feira, quando sofreu intensa e violenta repressão policial.
Em São Paulo, como se noticiou, a coordenação desta luta está a cargo do Movimento Passe Livre que, pelas repercussões país afora, parece ter se multiplicado, ainda que não se tenham informações sobre sua real organização, nos moldes tradicionais.
Dito isto, é importante refletir sobre como a maioria dos veículos de comunicação, incluindo-se aí a TV Cultura, que possui um dos Telejornais mais saudáveis, em relação à média, tratou do assunto.
Foi quase unânime a tentativa de impingir ao movimento características de violência, vandalismo e oportunismo político, esta última referendada por pronunciamentos de governantes, sobretudo em São Paulo (Governador, Prefeito) e no Rio de Janeiro. Utilizando-se do seu aparato, a linha editorial da TV Cultura, na semana de 10 a 14 de junho, mesmo considerando os debatedores, atuou mais como porta-voz oficial do Governo do Estado de São Paulo.
Fez pesadas críticas à postura dos manifestantes que, ao ocuparem a Av. Paulista (uma das principais vias de São Paulo), poderiam causar situações de impedimento ao acesso a hospitais (em número de 8 ou 9) ali localizados, certamente com franca violação ao direito de ir e vir dos demais cidadãos, além de dizer que milhares de trabalhadores eram prejudicados, porque não podiam se deslocar para suas casas.
Além disso, numa das suas edições, chegou-se a ironizar o fato de que as fianças, para liberação de alguns manifestantes presos, em valores de R$ 3.000,00 (três mil reais), eram pagas pelos pais, supostamente indicando serem pessoas de classe média, não exatamente necessitadas de participação naquele tipo de luta.
A tentativa era clara: criar um ambiente, na sociedade, de repúdio às manifestações.
Malograda tentativa. Na noite de sábado, dia 15, pesquisa do Instituto Datafolha revelava que o índice de ruim e péssimo para o transporte coletivo (ônibus e metrô) em São Paulo era de 55%, tendo crescido em relação ao último ano pesquisado, em 2011 (47%), além da maioria, em percentual de 47%, considerar caro o valor da tarifa.
Tais mobilizações que atingem o país, a meu juízo, sem exatamente dimensinar em que medida, integram o amplo e variado espectro de mobilizações que percorrem o mundo, desde os países árabes, naquilo que se convencionou chamar Primavera Árabe, até os países centrais do capitalismo, nos Estados Unidos e Europa, neste caso, sobretudo nos países mais atingidos pela crise: Grécia, Espanha.
Concordo com o cientista político Carlos Novaes, um dos comentaristas do Telejornal da TV Cultura, edição de sexta-feira, dia 14/6, quando afirma tratar-se, presumivelmente, de um espírito de época.
Existe, embora não se tenha clareza sobre quais pontos de contato, uma conexão entre todas essas mobilizações.
Aspecto importante a considerar diz respeito ao caráter delas, convocadas pela internet, em sua maioria, sem coordenações organizadas e centralizadas e sem objetivos programáticos definidos, ainda que se possa ver uma identidade, bem apontada por outro artigo lido, de autoria de Aldo Fornazieri (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-protestos-e-a-tragedia-urbana-por-aldo-fornazieri: quase todas partem de temáticas urbanas, ao estabelecer uma aproximação com a mobilização atual na Turquia.
Para ilustar, lembre-se a mobilização contra o corte de árvores em Porto Alegre.
Cabe também referir, retomando-se as afirmações de Novaes, esta geração em luta e em mobilização é uma "geração solitária e desamparada", pois ela – juventude de agora - vem à rua num momento de crise das utopias que, no passado, alimentaram as lutas da juventude de então.
De outra sorte, diz ele, boa parte daquela militância, hoje, está muito bem acomodada em cargos governamentais.
Ainda, os partidos que se identificam à esquerda, estão com imensas dificuldades de compreender estes movimentos, porque vinculados à tradição de organização e luta que não são mais reconhecidos ou aceitos, por serem matizados pelo jogo, muitas vezes rasteiro, da política institucional.
Entretanto, penso necessário registrar que, a despeito da crise das utopias e da indefinição e falta de clareza de propósitos mais programáticos, nos moldes em que nos acostumamos a pensar (os militantes mais velhos), em todos estes movimentos há uma justa, sincera e inequívoca, ainda que inconsciente, crítica ao capitalismo e as formas, mais ou menos violentas de como ele, em cada país ou região, expressa sua dominação.
Daí que uma interpretação, à luz de Marx, embora não exclusivamente, permaneça atual. Ou como não ver que a crise imobiliária nos EUA, o desemprego na Europa, a degradação das cidades pelo consumo irrefreável e pela submissão ao automóvel, a situação do transporte público, entre outras, não são questões cujas determinações econômicas e seus desdobramentos políticos, sociais, culturais e ambientais são evidentes? E que, diante deste quadro, há uma generalizada insatisfação, embora ainda em estado latente, com o modo de vida hegemônico?
Concluindo estas anotações, recorro a David Harvey, que em seu O Enigma do Capital nos desafia: "uma alternativa terá de ser encontrada. E é aqui que o surgimento de um movimento global de correvolucionários se torna crítico, não só para deter a maré de comportamentos autodestrutivos do capitalismo (que em si seria um feito significativo), mas também para nossa reorganização e para começarmos a construir novas formas organizacionais coletivas, bancos de conhecimento e concepções mentais, novas tecnologias e sistemas de produção e consumo, ao mesmo tempo em que experimentamos novos arranjos institucionais, novas formas de relações sociais e naturais, com o redesenho da cada vez mais urbanizada vida diária".


  Nossa solidariedade a esses jovens que renovam nossas esperanças!

quinta-feira, 13 de junho de 2013





Longe da água


                                            Virgínia do Rosário
                                               Mestra em Literatura


ô morena do mar
Eu disse que ia voltar
Ai, eu disse que ia chegar, cheguei
Para te agradar
Ai, eu trouxe os peixinhos do mar, morena
Para te enfeitar, eu trouxe as conchinhas do mar
As estrelas do céu, morena
E as estrelas do mar
Ai, as pratas e os ouros de Yemanjá
Dorival Caymmi, Morena do mar


Do mar de Albatroz, freqüentemente escuro e frio, aliado dos ventos, impulsores de minúsculos e poderosos grãos de areia, que beliscam os olhos e a pele de praieiros, o gaúcho Michel Laub1 (1973- ) retira a juventude do protagonista de Longe da água e presenteia o(a) leitor(a) com um cálido, transparente e abissal romance de formação.
Aquelas últimas décadas do século passado abrem-se, no mesmo diapasão político do Brasil, para debater questões antes reprimidas, tantas que as pautas propostas extravasam e inundam: rompem-se as comportas.
Esférico, o narrador propõe a retomada do debate de temas que perpassaram (e perpassam) a existência da juventude, especialmente da de classe média; esbate-se com eles, incitando o público à leitura, através do vocativo “você”, com que permeia a narrativa, cuja voz se expressa na primeira pessoa “eu”.
O protagonista, acompanhado pela presença física ou pela lembrança de Jaime e Laura, de Sérgio e Cláudio, de André, de pessoas da família e de uma secretária, conduz o leitor ou a leitora ao mar, à escola, à festa, às ruas, à feira do livro de Porto Alegre, ao seu endereço – moradia ou trabalho – e à grande São Paulo. Todas essas personagens convidam a devorar as páginas do livro de um só gole.
É possível surfar com o narrador por quinze breves–longos anos – dos quinze aos trinta anos, dele- nossos, sem cansaço algum.
Com ele, em sua-nossa prancha da memória, vem à tona a iniciação sexual (a masturbação, o filme erótico, o primeiro beijo, a primeira relação sexual, o amor e o desamor), a amizade e a inimizade, a briga, a distribuição de papéis no interior de cada grupo, as pichações, o hetero e homossexualismo, o envolvimento ou não com drogas, o contato com o esporte ou com a psicoterapia, a inclusão ou a exclusão do pai e da mãe do cotidiano, as primeiras pequenas, grandes e infinitas perdas, as culpas e as desculpas, as marcas...
Entre retrospecções e prospecções, a narrativa aponta quatro partes: longe, a água, mais longe e mais água, e a palavra “quarentena”, ameaçadora como uma onda gigante, mantém o suspense da narrativa, da dramática morte de Jaime até o final, como a pressagiar a cada página, uma nova tragédia.
Assim, na companhia do narrador, no mesmo ritmo ondulante, há a conclusão do curso superior, o ingresso no mundo do trabalho, o casal, narrador e Laura, sob o mesmo teto familiar e no mesmo local de trabalho, a estabilidade econômica, o conforto, o carro, a inflexão frente ao modo capitalista de produção – a manipulação, a capitulação (conforme p.97-101) – e a denúncia desses mecanismos de cooptação (no caso, através da obra literária).
E, outra vez, então, irrompe a tragédia. Novamente, a rede aprisiona, e, dessa vez, não há prancha, mas há automóvel, a tecnologia avançada, o mar indomável do trânsito da megalópole.
Foi-se Jaime, o amigo, aos quinze anos. Foi-se Laura, a amada, aos trinta anos. E a juventude. Solidão e dor, culpa e desculpa. Culpa e dor. À deriva, é possível a volta por cima? A averiguação lúcida da carcaça do carro, as últimas frases da narrativa indicam que o protagonista não naufraga.
O mar de Laub e de Caymmi, ambos trazem oferendas de vida e morte. E de vida, novamente. E de prazer estético.

1 LAUB, Michel, Longe da água. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

LILA DOWNS -

"Era importante para mí hacer un tributo a algunas mujeres de mi país que muelen maíz y lo llevan al canto y lo celebran como un milagro que a mí me ha inspirado mucho para poder seguir caminando y cantando."  Lila Downs


Para quem ainda não conhece, uma cantora mexicana, talvez da mesma estatura de uma Mercedes Sosa. Aliás, elas chegaram a cantar juntas. O Jorge Moogen fez a gentileza de me presenteá-la. Se gostarem, divulguem.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Apresentação

Breve apresentação

Iniciamos uma nova experiência comunitária de comunicação virtual, através deste blog.
Nosso propósito é contribuir com idéias, críticas e proposições sobre os mais variados temas, privilegiando análises comprometidas com uma visão transformadora da realidade social, sobretudo a partir dos mundos do trabalho, da cultura e da ciência.
Esperamos contar com a participação de amig@s e colaborador@s.
Tal como referiu o poeta Carlos Drummond de Andrade "lutar com a palavra é a  luta mais vã/entanto lutamos/mal rompe a manhã".
Quanto à nossa participação, para além das palavras, queremos reafirmar nosso compromisso com as justas e necessárias lutas sociais que buscam a emancipação humana de todas as formas de exploração, discriminação e opressão.


CONFERÊNCIA DAS CIDADES - ALEGRETE/2013

Nos dias 24 e 25 de maio de 2013, participamos da etapa municipal da V Conferência das Cidades.
Na oportunidade, apresentamos dois textos, abaixo transcritos, através dos quais expressamos alguns pontos sobre a nossa visão de cidade.



" são espaço urbano também os ambientes das casas particulares; e o retábulo do altar da igreja, a decoração do quarto de dormir ou da sala de jantar, até mesmo o vestuário e o ornamento com que as pessoas se movem, recitam a sua parte na dimensão cênica da cidade. Também são espaço urbano, e não menos visual para ser mnemônico-imaginário, as extensões da influência da cidade além de suas muralhas: a zona rural de onde chegam as provisões ao mercado da praça e onde o camponês tem as suas vilas e as suas propriedades, os bosques onde vai caçar, o lago ou os rios onde vai pescar. O espaço figurativo, (...) não é feito apenos daquilo que se vê, mas de infinitas coisas que se sabem e se lembram, de notícias. Até mesmo quando um pintor pinta uma paisagem natural, pinta na realidade um espaço complementar do próprio espaço urbano". Giulio Carlo Argan, em História da arte como história da cidade













O Alegrete, uma Cidade Rururbana
O conflito de interpretação entre urbano e ruralzonas espaciais em constantes confluências e o desenvolvimento

Por Carlos Roberto Allende
Ms. Engenheiro-Agrônomo


     A cidade de Alegrete é um espaço territorial a ser analisado de maneira diferente das análises tradicionais, principalmente das análises focadas nas formulações do desenvolvimento verticalizado pelas esferas governamentais. Na sua evolução histórica, a cidade constituiu uma ocupação urbana mesclada com a produção primária rural em sua configuração espacial.
No entorno da cidade ainda é possível observar uma paisagem de campos e planícies com habitações entremeadas, formando bairros urbanos que se confundem com características rurais. Configuram uma faixa marginal com população peri-urbana convivendo ainda com os aspectos do ambiente em seu estado natural.
A densidade habitacional periférica pode ser considerada abrangente e expressiva para caracterizar tipologicamente as pessoas que residem nessa zona da cidade e também em outras partes em direção aos espaços físicos fundiários mais centrais da cidade.
Evidencia-se que as características da população denominada censitariamente urbana são intimamente ligadas ou mescladas com a população caracterizada genericamente como rural. Percebe-se isso na reprodução dos hábitos e costumes, na forma de manter a cultura, na linguagem, na maneira de manifestar o sentimento de pertencimento ao território, diluído entre os aspectos lúdicos, condicionados pela espacialização da ocupação histórica e do patrimônio cultural.
As zonas consideradas urbano/rurais (outro lado da ponte - zona sul, zona norte) e entorno da BR 290 entre outras áreas1 que ficam a margem do núcleo central da cidade foram constituídos em sua maioria de maneira desordenada, ou seja, sem planejamento estrutural com vistas à qualidade de vida e satisfação das necessidades essenciais à sociabilidade e ao convívio humano de maneira organizada no mesmo espaço geográfico.
Habitam essas áreas uma parcela da população que ora reside no espaço rural, ora reside no espaço urbano. Na sua maioria são pessoas com relações de trabalho tanto no espaço urbano e rural. Muitos são oriundos do êxodo rural, em alguns períodos desempregados e à espera de oportunidades na inclusão comocidadãosprodutivos.
Esse contingente de trabalhadores é expressivo na dinâmica de prestação de serviços formais e informais que inclui o vínculo com a construção civil, os serviços assalariados ou sazonais nas atividades agropecuárias dos estabelecimentos patronais (atividades de produção arroz e pecuária extensiva) como peões, e na produção de alimentos em pequenas unidades de produção familiar.
Dessa maneira, assumem a condição de uma população flutuante no espaço geográfico, principalmente, relacionado aos períodos de maior à oferta de serviços e ocupações produtivas no rural ou no urbano. Tal contingente corresponde a uma fatia social expressiva da sociedade alegretense, que coabita no rural e no urbano, confundindo os dados censitários tradicionais ao fixarem a população numericamente em um determinado espaço geográfico.
Também estabelecem residência concomitante no rural e urbano e colaboram nessa confluência demográfica os proprietários de estabelecimentos rurais com grandes dimensões físicas que conservam a estrutura fundiária concentrada no espaço rural e reproduzem o modelo insustentável da produção da monocultura extensiva, denominada de agronegócio.
A dinâmica da cidade de Alegrete, em suas diversas dimensões,mantém uma estreita relação de complementaridade entre a cidade e o espaço rural. São visíveis nas zonas peri-urbana as atividades rurais, com áreas cultivadas com algumas hortaliças para consumo doméstico, pequenas criações (galinhas, patos, angolistas, suínos), produção de pecuária de corte e leite/leitarias (no cabresto ou soltos em áreas com menor densidade habitacional).
Assim, convivem cotidianamente, lado a lado, áreas de produção rural para subsistência e para comércio, sítios de lazer, escolas, pequenos comércios (mercadinhos, armazéns, bolichos, lojinhas), imóveis ligados à tradição (CTG, DTG, GT...) e núcleos habitacionais tipicamente urbanos. Com qualidade em poucas construções e significativa presença de habitações em condições precárias querefletema pobreza de parte significativa da população.
Tais especificidades e particularidades abordadas caracterizam os alegretenses na sua maioria como pessoas rururbanas e isso não pode ser ignorado no planejamento do desenvolvimento da população e da cidade.
Omitir a tipologia social da população consiste em negar asraízes sociaise confundir a origem dos problemas vivenciados, cognitivos da espacialização. Tal situação dificulta a busca de soluções concretas, adotando-se alternativas paliativas nas formulações e nas intervenções governamentais.
Mas além de renovar a interpretação da tipologia dos habitantes devemos aprofundar a análise do processo de urbanização, a espacialização empreendida pelas etnias da classe dominante e consolidada através do formato tecnológico da matriz de produção predominante (pecuária e arroz aprimorada para funcionar economicamente em prol dos complexos agroindustriais). Sobre essa espacialização preservada pelos rururbanos alegretenses permeiam as condições vivenciadas pela urbanização da cidade de Alegrete.
O arranjo físico/estrutural da cidade e sua dinâmica econômica concentradora das riquezas não viabilizam as condições desejadas para satisfazer em grande parte as necessidades básicas da população urbana e rural, acentuando gradativamente a estagnação do desenvolvimento político, humano, social, econômico, cultural e etc., principalmente, da população mais vulnerável e periférica socialmente.
Essa influência direta do modelo de produção exercido pela classe social autodenominada deeliteagrária alegretense não pode ser desconsiderada em quaisquer debates ou proposições para qualificar a urbanização da cidade de Alegrete. Isso é consenso da maioria, basta assumirmos uma posição sem medo de construir, com protagonismo, novos indicadores para o desenvolvimento local.
As prioridades políticas das demandas para melhorar as condições das cidades e aglomerados urbanos devem considerar as especificidades locais e regionais para construir formulações objetivas e concretas ao desenvolvimento rural/urbano, principalmente, nas regiões deprimidas economicamente, consideradas atrasadas no país, como é o caso da Fronteira Oeste do RS, dentro da qual está a cidade ( e o município) de Alegrete.

COMISSÃO EXECUTIVA MUNICIPAL – PCdoB/ALEGRETE


1 Vila Brasília, Vila Piola, Capão do Angico e adjacências em geral, Vila Nova, Canudos, Restinga, Regalado e demais aglomerados.



                                  POR UMA REFORMA URBANA DEMOCRÁTICA

                                                                                      Gilmar de Lima Martins


Saudamos a realização da etapa municipal desta 5ª Conferência Nacional das Cidades.
No caso de nosso município, que os debates e resoluções impulsionem conquistas reais para toda a população, especialmente para aqueles e aquelas que mais necessitam de mudanças nas suas condições de vida, com ênfase nas três prioridades definidas em caráter preliminar: habitação (regularização fundiária), mobilidade urbana (transporte) e saneamento básico.
O Partido Comunista do Brasil – por sua Comissão Municipal Provisória em Alegrete – entende que a reforma urbana é uma das medidas fundamentais para consolidar o processo de democratização do país, com distribuição de renda mais justa e redução das desigualdades sociais e regionais, de modo a garantir condições dignas de moradia, transporte, saúde, saneamento, cultura e lazer para milhões de brasileiros e brasileiras.
Considera importante a definição dos eixos temáticos apresentados e as propostas sugeridas, destacadamente a institucionalização do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU), e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano, embora ressalte que abordagem apresentada peca pelo excessivo centralismo na definição das diretrizes, a partir do Governo Central, pelo questionamento superficial do modelo capitalista de ocupação, produção e reprodução do espaço urbano – o maior responsável pelo tipo de urbanização que temos no país – pelo completo silêncio ao modelo tributário vigente, responsável pela situação crítica das finanças dos municípios, extremamente dependentes de frequentes pedidos de socorro à União e, por último, mas não menos importante, pela ausência a quaisquer referências, nos textos, da questão da memória, do patrimônio e da cultura.
No plano local, território privilegiado de nossa intervenção política e social, nosso entendimento é que a cidade de Alegrete, a par de seu alto índice de urbanização, a considerar-se o critério exclusivamente demográfico de ocupação do espaço urbano, tem características peculiares que precisam ser avaliadas, com critério, para o sucesso de medidas de reforma.
Neste particular, cumpre destacar o caráter rururbano de parte considerável de sua população, sobretudo da periferia, cujas atividades econômicas e laborais, dependem ou são condicionadas, regular ou sazonalmente, pelo padrão hegemônico de exploração agropecuária.
Além do mais, é preciso reafirmar que este processo de urbanização decorreu do contínuo e impetuoso processo de expulsão de milhares de famílias do meio rural, sobretudo vinculadas à pequena propriedade, ou de trabalhadores agregados à produção nas estâncias ou na própria lavoura de arroz.
De outra sorte, é preciso compreender que a cidade ainda não ofereceu reais alternativas de integração dessa população, pois a oferta de postos de trabalho ou de ocupação produtiva continua muito aquém das necessidades. Não por acaso, nosso município foi um dos que mais sofreu perda de população entre os censo de 2000 e 2010, reduzindo de 84.338 para 77.653 habitantes, isto em números absolutos, pois se fôssemos considerar a expectativa por conta da taxa de crescimento demográfico, deveríamos alcançar mais de 87000 habitantes, portanto uma perda de, aproximadamente, 13% da população.
Deve-se registrar, ainda, um outro elemento da estrutura da população, que reflete uma tendência geral em termos de país e estado: uma crescente população de idosos, combinado com uma perda sensível nas faixas mais jovens.
E tudo isto, em que pese as boas políticas de transferência direta de renda, que reduziram a pobreza extrema, sem alterar, em profundidade, a elevada concentração de renda e de propriedade, sobretudo quando constatado que temos em torno de 6000 famílias no Programa Bolsa Família. Multiplicados por 3,5 (número médio de pessoas por família) teremos aproximadamente 21000 pessoas, correspondendo a 27% da população em estado de pobreza, quando não próximas à miséria.
Inegavelmente, um dos problemas urbanos mais cruciais de nossa cidade reside na falta de regularização de grande parte dos loteamentos existentes, particularmente aqueles derivados de ocupações de áreas públicas ou privadas.
Concomitantemente, somam-se outras carências, entre as quais se destaca um sistema de transporte coletivo cuja qualidade deixa muito a desejar, em face do preço pago pelos usuários. Sem falar na falta de modelos e vias alternativas, que considerem ciclistas, pedestres, pessoas com deficiência física, idosos, tais como ciclovias e calçadas.
No tocante ao saneamento, ao que se noticia e pelas indicações de obras anunciadas, a cidade será beneficiada com obras nesta frente.
Dito isto, apresentamos algumas propostas para o debate entre os participantes desta Conferência, a saber:

a)- realização de um Seminário, em conjunto com entidades da sociedade civil e governamentais, tais como UABA, Sociedade de Engenharia e Arquitetura, OAB, Urcamp, demais instituições e entidades afins, para debater REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA e estabelecer um plano de curto, médio e longo prazos e com metas a atingir, a partir dos instrumentos legais à disposição, sobretudo a Lei 10.457/2001, o Estatuto da Cidade. Desde já, sugere-se a constituição de uma Força-tarefa para iniciar medidas nessa direção;

b) na mesma linha, mas em momento diferente, a realização de outro Seminário para debater MOBILIDADE URBANA, em busca de alternativas democráticas para esta importante questão, tendo em conta as diretrizes emanadas da Política Nacional definida pela Lei 12.587/2012, tendo em vista a elaboração de um PLANO MUNICIPAL DE MOBILIDADE URBANA;

c)- formulação de um Plano Municipal de Drenagem Urbana Sustentável;

c)- definir, no âmbito dos Conselhos Municipais de Cultura e do Patrimônio Histórico, um amplo programa de ações destinadas à preservação da memória e do patrimônio histórico, cultural, paisagístico e outros, de nossa cidade e município, colocando-se como objetivo, num horizonte próximo, a constituição de uma Secretaria Municipal de Cultura;

Na expectativa de termos contribuído para o êxito desta etapa municipal da 5ª Conferência das Cidades, renovamos nosso compromisso e nossa luta por uma sociedade mais justa, democrática e socialista.

Comissão Executiva Municipal Provisória do Partido Comunista do Brasil – PCdoB -
Alegrete, 24/25 de maio de 2013.