Carlos Roberto Maciel Alende*
A cidade de Alegrete é um espaço territorial a ser analisado de maneira
diferente das análises tradicionais, principalmente das análises focadas nas
formulações ao desenvolvimento verticalizado pelas esferas governamentais. Na
sua evolução histórica a cidade constituiu uma ocupação urbana mesclada com a
produção primária rural e a sua configuração espacial.
No
entorno da cidade ainda é possível observar uma paisagem de campos e planícies
com habitações entremeadas, formando bairros urbanos que se confundem com características
rurais. Configurando uma faixa marginal com uma população peri-urbana
convivendo ainda com os aspectos do ambiente em seu estado natural.
A
densidade habitacional periférica pode ser considerada abrangente e expressiva
para caracterizar tipologicamente as pessoas que residem nessa zona da cidade e
também em outras partes em direção aos espaços físicos fundiários mais centrais
da cidade. Evidencia-se que as características da população denominada
censitariamente urbana são intimamente ligadas ou mescladas da população
caracterizada genericamente como do rural. Percebe-se isso na reprodução dos
hábitos e costumes, na forma de manter a cultura, na linguagem, na maneira de
manifestar o sentimento de pertencimento ao território, diluído entre os
aspectos lúdicos, condicionados pela espacialização da ocupação histórica e do
patrimônio cultural.
As
zonas consideradas urbano/rurais (outro lado da ponte - zona sul, zona norte) e
entorno da BR 290 entre outras áreas[1]
que ficam a margem do núcleo central da cidade foram constituídos em sua
maioria de maneira desordenada, ou seja, sem planejamento estrutural com vistas
à qualidade de vida e satisfação das necessidades essenciais à sociabilidade e
ao convívio humano de maneira organizada no mesmo espaço geográfico.
Habitam
essas áreas uma parcela da população que ora reside no espaço rural, ora reside
no espaço urbano, na sua maioria são pessoas com relações de trabalho tanto no
espaço urbano e rural. Muitos são oriundos do êxodo rural, em alguns períodos desempregados
e a espera de oportunidades na inclusão como “cidadãos” produtivos.
Esse
contingente de trabalhadores é expressivo na dinâmica de prestação de serviços
formais e informais que inclui o vínculo com a construção civil, os serviços
assalariados ou sazonais nas atividades agropecuárias dos estabelecimentos
patronais (atividades de produção arroz e pecuária extensiva) como peões e, na
produção de alimentos em pequenas unidades de produção familiar. Dessa maneira,
assumem a condição de uma população flutuante no espaço geográfico,
principalmente, relacionado aos períodos de maior oferta de serviços e
ocupações produtivas no rural ou no urbano. Tal contingente corresponde a uma
fatia social expressiva da sociedade alegretense e co-habitam no rural e urbano
confundindo os dados censitários tradicionais, que fixam a população
numericamente em um determinado espaço geográfico.
Também
estabelecem residência concomitante no rural e urbano e colaboram nessa
confluência demográfica os proprietários de estabelecimentos rurais com grandes
dimensões físicas que conservam a estrutura fundiária concentrada no espaço
rural e reproduzem o modelo insustentável da produção da monocultura extensiva,
denominada de agronegócio.
A
dinâmica da cidade de Alegrete em suas diversas dimensões mantém uma estreita
relação de complementaridade entre a cidade e o espaço rural. São visíveis nas
zonas peri-urbana as atividades rurais, com áreas cultivadas com algumas
hortaliças para consumo doméstico, pequenas criações (galinhas, patos,
angolistas, suínos), produção de pecuária de corte e leite/leitarias (no cabresto
ou soltos em áreas com menor densidade habitacional). Assim, convivem, cotidianamente,
lado a lado, áreas de produção rural para subsistência e para comércio, sítios
de lazer, escolas, pequenos comércios (mercadinhos, armazéns, bolichos,
lojinhas), imóveis ligados à tradição (CTG, DTG, GT...) e núcleos habitacionais
tipicamente urbanos. Com qualidade em
poucas construções e significativa presença de habitações em condições
precárias que “refletem” a pobreza parte significativa da população.
Tais
especificidades e particularidades abordadas caracterizam os alegretenses na
sua maioria como pessoas rururbanas e, isso não pode ser ignorado no
planejamento do desenvolvimento da população e da cidade. Omitir a tipologia
social da população consiste em negar as “raízes sociais” e confundir a origem
dos problemas vivenciados cotidianamente cognitivos da espacialização. Sem remeter
a soluções concretas, adotando-se alternativas paliativas nas formulações das
intervenções governamentais.
Mas
além de renovar a interpretação da tipologia dos habitantes devemos aprofundar ao
analisarmos a urbanização, a espacialização empreendida pelas etnias da classe
dominante e consolidada através do formato tecnológico da matriz de produção
predominante (pecuária e arroz aprimorada para funcionar economicamente em prol
dos complexos agroindustriais). Pois sobre essa espacialização preservada pelos
rururbanos alegretenses permeiam às condições vivenciadas na urbanização da
cidade de Alegrete.
O
arranjo físico/estrutural da cidade e sua dinâmica econômica concentradora das
riquezas não viabilizam as condições desejadas para satisfazer em grande parte
as necessidades básicas da população urbana e rural, acentuando gradativamente
a estagnação do desenvolvimento político, humano, social, econômico, cultural e
etc., principalmente, da população mais vulnerável e periférica socialmente.
Essa influência direta do modelo de produção exercido pela classe social
autodenominada de “elite” agrária alegretense não pode ser desconsiderada em
quaisquer debates ou proposições para qualificar a urbanização da cidade de
Alegrete. Isso é consenso da maioria, basta assumirmos uma posição sem medo de construirmos
com protagonismo novos indicadores ao desenvolvimento local.
As prioridades
políticas das demandas para melhorar as condições das cidades e aglomerados
urbanos devem considerar as especificidades locais e regionais para construir
formulações objetivas e concretas ao desenvolvimento rural/urbano,
principalmente, nas regiões deprimidas economicamente, consideradas atrasadas
no país, como é o caso da Fronteira Oeste do RS na qual está a cidade do
Alegrete.
·
Engenheiro
Agrônomo e Diretor Técnico da APAFA – Associação de Pecuaristas e Agricultores
Familiares de Alegrete – Vice – Presidente do PC do B – Alegrete – RS.
[1] Vila Brasília, Vila Piola, Capão do
Angico e adjacências em geral, Vila Nova, Canudos, Restinga, Regalado e demais
aglomerados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário