domingo, 31 de julho de 2016

O Alegrete, uma Cidade Rururbana O conflito de interpretação entre urbano e rural – zonas espaciais em constantes confluências e o desenvolvimento




Carlos Roberto Maciel Alende*



     A cidade de Alegrete é um espaço territorial a ser analisado de maneira diferente das análises tradicionais, principalmente das análises focadas nas formulações ao desenvolvimento verticalizado pelas esferas governamentais. Na sua evolução histórica a cidade constituiu uma ocupação urbana mesclada com a produção primária rural e a sua configuração espacial.
No entorno da cidade ainda é possível observar uma paisagem de campos e planícies com habitações entremeadas, formando bairros urbanos que se confundem com características rurais. Configurando uma faixa marginal com uma população peri-urbana convivendo ainda com os aspectos do ambiente em seu estado natural.
A densidade habitacional periférica pode ser considerada abrangente e expressiva para caracterizar tipologicamente as pessoas que residem nessa zona da cidade e também em outras partes em direção aos espaços físicos fundiários mais centrais da cidade. Evidencia-se que as características da população denominada censitariamente urbana são intimamente ligadas ou mescladas da população caracterizada genericamente como do rural. Percebe-se isso na reprodução dos hábitos e costumes, na forma de manter a cultura, na linguagem, na maneira de manifestar o sentimento de pertencimento ao território, diluído entre os aspectos lúdicos, condicionados pela espacialização da ocupação histórica e do patrimônio cultural.
As zonas consideradas urbano/rurais (outro lado da ponte - zona sul, zona norte) e entorno da BR 290 entre outras áreas[1] que ficam a margem do núcleo central da cidade foram constituídos em sua maioria de maneira desordenada, ou seja, sem planejamento estrutural com vistas à qualidade de vida e satisfação das necessidades essenciais à sociabilidade e ao convívio humano de maneira organizada no mesmo espaço geográfico.
Habitam essas áreas uma parcela da população que ora reside no espaço rural, ora reside no espaço urbano, na sua maioria são pessoas com relações de trabalho tanto no espaço urbano e rural. Muitos são oriundos do êxodo rural, em alguns períodos desempregados e a espera de oportunidades na inclusão como “cidadãos” produtivos.
Esse contingente de trabalhadores é expressivo na dinâmica de prestação de serviços formais e informais que inclui o vínculo com a construção civil, os serviços assalariados ou sazonais nas atividades agropecuárias dos estabelecimentos patronais (atividades de produção arroz e pecuária extensiva) como peões e, na produção de alimentos em pequenas unidades de produção familiar. Dessa maneira, assumem a condição de uma população flutuante no espaço geográfico, principalmente, relacionado aos períodos de maior oferta de serviços e ocupações produtivas no rural ou no urbano. Tal contingente corresponde a uma fatia social expressiva da sociedade alegretense e co-habitam no rural e urbano confundindo os dados censitários tradicionais, que fixam a população numericamente em um determinado espaço geográfico.
Também estabelecem residência concomitante no rural e urbano e colaboram nessa confluência demográfica os proprietários de estabelecimentos rurais com grandes dimensões físicas que conservam a estrutura fundiária concentrada no espaço rural e reproduzem o modelo insustentável da produção da monocultura extensiva, denominada de agronegócio.
A dinâmica da cidade de Alegrete em suas diversas dimensões mantém uma estreita relação de complementaridade entre a cidade e o espaço rural. São visíveis nas zonas peri-urbana as atividades rurais, com áreas cultivadas com algumas hortaliças para consumo doméstico, pequenas criações (galinhas, patos, angolistas, suínos), produção de pecuária de corte e leite/leitarias (no cabresto ou soltos em áreas com menor densidade habitacional). Assim, convivem, cotidianamente, lado a lado, áreas de produção rural para subsistência e para comércio, sítios de lazer, escolas, pequenos comércios (mercadinhos, armazéns, bolichos, lojinhas), imóveis ligados à tradição (CTG, DTG, GT...) e núcleos habitacionais tipicamente urbanos.  Com qualidade em poucas construções e significativa presença de habitações em condições precárias que “refletem” a pobreza parte significativa da população.
Tais especificidades e particularidades abordadas caracterizam os alegretenses na sua maioria como pessoas rururbanas e, isso não pode ser ignorado no planejamento do desenvolvimento da população e da cidade. Omitir a tipologia social da população consiste em negar as “raízes sociais” e confundir a origem dos problemas vivenciados cotidianamente cognitivos da espacialização. Sem remeter a soluções concretas, adotando-se alternativas paliativas nas formulações das intervenções governamentais.
Mas além de renovar a interpretação da tipologia dos habitantes devemos aprofundar ao analisarmos a urbanização, a espacialização empreendida pelas etnias da classe dominante e consolidada através do formato tecnológico da matriz de produção predominante (pecuária e arroz aprimorada para funcionar economicamente em prol dos complexos agroindustriais). Pois sobre essa espacialização preservada pelos rururbanos alegretenses permeiam às condições vivenciadas na urbanização da cidade de Alegrete.
O arranjo físico/estrutural da cidade e sua dinâmica econômica concentradora das riquezas não viabilizam as condições desejadas para satisfazer em grande parte as necessidades básicas da população urbana e rural, acentuando gradativamente a estagnação do desenvolvimento político, humano, social, econômico, cultural e etc., principalmente, da população mais vulnerável e periférica socialmente. Essa influência direta do modelo de produção exercido pela classe social autodenominada de “elite” agrária alegretense não pode ser desconsiderada em quaisquer debates ou proposições para qualificar a urbanização da cidade de Alegrete. Isso é consenso da maioria, basta assumirmos uma posição sem medo de construirmos com protagonismo novos indicadores ao desenvolvimento local.
As prioridades políticas das demandas para melhorar as condições das cidades e aglomerados urbanos devem considerar as especificidades locais e regionais para construir formulações objetivas e concretas ao desenvolvimento rural/urbano, principalmente, nas regiões deprimidas economicamente, consideradas atrasadas no país, como é o caso da Fronteira Oeste do RS na qual está a cidade do Alegrete.


·         Engenheiro Agrônomo e Diretor Técnico da APAFA – Associação de Pecuaristas e Agricultores Familiares de Alegrete – Vice – Presidente do PC do B – Alegrete – RS.



[1] Vila Brasília, Vila Piola, Capão do Angico e adjacências em geral, Vila Nova, Canudos, Restinga, Regalado e demais aglomerados.

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